Leishmaniose tegumentar e Leishmaniose visceral

A leishmaniose é uma doença infecciosa não contagiosa vetorial e zoonótica. Pode acometer a epiderme, as mucosas e as vísceras. Ela é classificada dependendo da região do corpo que afeta e da espécie que parasita o hospedeiro.

No total são 5 classificações: 

  • Leishmaniose cutânea: induz formações de úlceras focais em áreas expostas, como face, braços e pernas podendo ser curadas em poucos meses; 
  • Leishmaniose mucocutânea: afeta a pele e as membranas mucosas do nariz, cavidades bucais e da garganta e tecidos do entorno e tem caráter desfigurante; 
  • Leishmaniose cutânea disseminada: apresenta múltiplas lesões generalizadas e crônicas e de difícil tratamento; 
  • Leishmaniose visceral: o parasito afeta órgãos internos, causando uma doença sistêmica e se não for tratada, pode levar ao óbito;
  • Leishmaniose clínica difusa: inicia com lesão única e devido a uma má resposta ao tratamento, evolui lentamente para múltiplas nodulações não ulceradas em grandes extensões cutâneas. 

Para a doença ocorrer, é preciso que o parasito seja inoculado no indivíduo, mais especificamente na pele. Para esse processo, o parasito necessita de um vetor, um organismo que funciona como uma ponte entre ele e o hospedeiro. No caso da leishmaniose, o vetor mais comum é a fêmea do inseto do gênero Lutzomyia, popularmente conhecido como mosquito-palha ou birigu. Esse vetor também é o hospedeiro invertebrado do parasito.

 

Agentes etiológicos

O agente etiológico da leishmaniose é um protozoário flagelado do gênero Leishmania.

Várias espécies de leishmanias são conhecidas em 80 países e no Brasil existem seis espécies causadoras da leishmaniose tegumentar.

·         Leishmania amazonenses;

·         Leishmania guyanensis;

·         Leishmania braziliensis;

·         Leishmania naiffe;

·         Leishmania shawi;

·         Leishmania laisoni.

As características das lesões dérmicas variam de espécie para espécie.

No Brasil existem duas espécies que causam leishmaniose visceral. Há autores que consideram uma terceira espécie Leishmania chagasi, porém, há autores que acreditam que essa espécie na verdade é a mesma de Leishmania infantum, considerando apenas a nomenclatura dessa última.

·         Leishmania donovani,

·         Leishmania infantum.

 

Morfologia

Quanto à morfologia, os protozoários se apresentam em duas formas evolutivas principais: amastigota e promastigota.

A forma amastigota tem aparência arredondada e está presente no interior das células do hospedeiro vertebrado, mais especificamente nas células do sistema mononuclear fagocitário, como os macrófagos e monócitos.

A forma promastigota tem aparência alongada e possui um único e longo flagelo na região anterior, são encontradas no intestino do hospedeiro invertebrado. Essa forma passa por dois estágios: ao ser ingerida pelo vetor, a forma amastigota se transforma em promastigota procíclica, no qual o flagelo garante a fixação na parede do intestino e assim permite a reprodução binária do parasito. Após um longo período de proliferação essas promastigotas passam para a forma de promastigota metacíclica, onde o flagelo fica mais alongado e permitindo a motilidade do parasito. Ele ajuda a obstruir a válvula estomacal do mosquito, facilitando a regurgitação do material ingerido e dos parasitos na próxima vez em que ele for se alimentar.

 

Ciclo biológico

Começaremos o ciclo pelo hospedeiro invertebrado: quando o inseto vetor pica um indivíduo ou um animal infectado para se alimentar, ele ingere as leishmanias na forma amastigota juntamente com o sangue e a linfa. Dentro do intestino do inseto as formas amastigotas alteram sua morfologia ficando alongadas e desenvolvem os flagelos, tornando-se promastigotas que se multiplicarão por divisão binária. Quando a quantidade de promastigotas é consideravelmente alta, elas invadem as porções anteriores do estômago do inseto, dificultando sua ingestão de sangue. Por causa disso, o inseto fica faminto e aumenta a frequência de picadas nas pessoas e animais. Além disso, com a grande quantidade de parasitos em seu interior, os músculos responsáveis pela sucção do sangue ficam fracos, facilitando a regurgitação de sangue e consequentemente de promastigotas dentro do hospedeiro vertebrado durante a picada. É importante ressaltar que a saliva do inseto contém substâncias que proporcionam a atividade inflamatória na pele, atraindo macrófagos para o local da picada.

Uma vez inoculados na pele do hospedeiro vertebrado, as formas promastigotas são fagocitadas por esses macrófagos, e devido ao pH e temperatura, elas alteram sua morfologia para a forma amastigota, aflagelar e imóvel. Dentro dos macrófagos as amastigotas se multiplicam por divisão binária até atingirem a capacidade da célula, e após rompê-la infectam outro macrófago repetindo esse ciclo interno. Quando esse hospedeiro vertebrado, agora infectado, é picado por um inseto não infectado, ele ingere as formas amastigotas, se infectando e recomeçando o ciclo.

 

Ciclo da LeishmanioseFigura 1 – Ciclo biológico da Leishmania spp.

 

Patogenia

Quando o inseto inocula as leishmanias no hospedeiro, macrófagos e outras células de defesa como neutrófilos, são recrutados até o local da picada para tentar destruir esse corpo estranho, e caso não tenham êxito, a doença está instalada.

Na leishmaniose tegumentar americana, o processo de lise dos macrófagos e a reprodução das amastigotas faz com que haja uma resposta inflamatória tecidual levando ao surgimento de uma ferida na pele. A característica da ferida vai depender da rapidez com que a lesão evolui, juntamente com a virulência, linhagem e espécie da leishmania. A ferida pode envolver desde manifestações cutâneas mais comuns, como úlceras indolores, únicas ou múltiplas, até feridas desfigurantes, incapacitantes e fatais, apresentando destruição de mucosas e cartilagens. Os parasitos começam a ser eliminados com a chegada de linfócitos e plasmócitos no local, levando algum tempo para eliminar todos e até finalmente ocorrer o processo de cura seguido de reparação e cicatrização da ferida.  Mesmo a cura sendo espontânea, sem precisar de ajuda externa, isso só é possível dependendo do tipo de lesão e o quanto o organismo do hospedeiro é capaz, é imunocompetente, ou seja, o quanto suas defesas naturais não estão comprometidas.

Na leishmaniose visceral, os parasitos presentes na pele migram para órgãos contendo as células do sistema fagocítico mononuclear como os monócitos e macrófagos, principalmente baço, fígado, medula óssea e linfonodos. Também podem ser encontrados em menor quantidade nos rins, glândulas suprarrenais, intestinos, pulmões, pele e sangue. A destruição massiva de macrófagos e monócitos induz o seu aumento tornando mais fácil a sobrevivência e reprodução do parasito. Como consequência, o baço e o fígado aumentam de volume causando hepatoesplenomegalia e a medula óssea tem suas funções comprometidas. Nesse quadro, os primeiros sintomas da doença são fraqueza muscular, perda de apetite, palidez e um leve aumento do baço e da temperatura. Com o decorrer da doença os sintomas se intensificam, evoluindo para febre alta que não reduz ou apresenta pequena melhora e volta a aumentar, hepatoesplenomegalia, anemia, emagrecimento acentuado e fraqueza geral. Os sintomas podem evoluir de forma abrupta e levar o hospedeiro à morte ou a doença pode assumir um caráter crônico.

 

Diagnóstico

É feito pela busca e visualização ativa do protozoário quando for possível, tanto pela biópsia ou por raspado da borda da lesão. Nos casos de leishmaniose visceral é possível fazer um esfregaço do sangue periférico para a visualização de formas amastigotas dentro dos monócitos.  Para a identificação da espécie do parasito é necessário o seu cultivo em meios de cultura adequados para o seu crescimento, sendo possível a visualização das formas promastigotas. Ainda podem ser realizados o teste de intradermorreação de Montenegro, testes sorológicos e técnicas de biologia molecular, como a PCR (Polymerase Chain Reaction) que é a reação em cadeia de polimerase.

No teste de intradermorreação de Montenegro é feita a inserção intradérmica do antígeno na pele do antebraço do paciente, se houver o surgimento de um halo depois de 72 horas considera-se o teste positivo, significando infecção por leishmania. Porém, como o resultado é visual, o teste não diferencia se a doença está ativa ou já foi curada. Além disso, depende da formação de resposta imune do hospedeiro, podendo a positividade aparecer apenas quatro meses após a primeira lesão ou dar resultados falso negativos em pacientes imunodeprimidos.

Os testes sorológicos se baseiam no RIFI (reação de imunofluorescência indireta), no teste de aglutinação direta - DAT (Direct Agglutination Test) e no ensaio imunoenzimático - ELISA (Enzyme-linked Immunosorbent Assay).

Os testes laboratoriais devem ser interpretados juntamente com a anamnese do paciente e informações epidemiológicas, indispensáveis para a confirmação da doença.

 

Tratamento

O tratamento se difere para cada tipo de leishmaniose. Para a leishmaniose tegumentar o tratamento terá o objetivo de acelerar o processo de cicatrização e impedir a disseminação das lesões, evitando também que elas se agravem. É sempre bom lembrar que não é bom se automedicar e, se estiver com algum desses sintomas ou com suspeita de alguma doença, procurar sempre ajuda médica.


Profilaxia

Consiste em medidas que envolvem a população humana, o vetor e os reservatórios do vetor, uma vez que não existe ainda vacinas ou remédios que garantem proteção contra a leishmaniose humana. As ações preventivas envolvem o uso de mosquiteiro, telagem nas portas e janelas, uso de repelentes, enfim, evitar ser picado pelo inseto, diminuindo a exposição a eles. Ainda há medidas contra o vetor, que se baseiam na identificação de focos e eliminação do inseto. Por fim, deve-se fazer a eliminação de reservatórios do parasito, principalmente reservatórios domésticos, que estão presentes no meio urbano, sendo o cão um deles. Infelizmente não existe tratamento canino que garanta a eliminação completa do parasito. O Ministério da Saúde juntamente com o MAPA (Ministério da Agricultura Pecuária de Abastecimento), recomendam desde 2017 o tratamento para os animais que apresentem sorologia ou exame parasitológico positivo. A eutanásia é uma das medidas de controle, mas não mostra eficácia na diminuição da incidência da doença, como apontam estudos científicos.

           

 

Mapa mental

 

Figura 2 – Resumo em forma de mapa mental.


 Bons estudos!!!


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Para a escrita desse texto as seguintes referências foram consultadas

 

Brasil. Ministério da saúde. Manual de Vigilância da leishmaniose tegumentar. 1 ed. Brasília, 2017. Versão eletrônica. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual_vigilancia_leishmaniose_tegumentar.pdf

NEVES, David Pereira; MELO, Alan Lane de; LINARDI, Pedro Marcos; VITOR, Ricardo W. Almeida. Parasitologia Humana. 11 ed. São Paulo: Atheneu, 2004.

REY, Luís. Bases da parasitologia médica. 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2009. Ebook. ISBN 978-85-277-2026-7. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/books/978-85-277-2026-7

SIQUEIRA-BATISTA, Rodrigo; GOMES, Andréia Patrícia; SANTOS, Sávio Silva. SANTANA, Luiz Alberto. Parasitologia: fundamentos e prática clínica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2020. Ebook. ISBN 9788527736473. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/books/9788527736473.

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