Trypanosoma cruzi e a tripanossomíase americana

Características gerais

O Trypanosoma cruzi é um protozoário flagelado da ordem Kinetoplastida e família Trypanosomatidae. Dentro de uma mesma espécie existem variações morfológicas que confere ao protozoário diferentes graus de patogenicidade e infectividade. É um parasito heteroxeno, pois possui dois hospedeiros e em ambos a reprodução ocorre por divisão binária.

 

Transmissão

 A principal forma de transmissão é vetorial, feito por um inseto hematófago da família Reduviidae e subfamília Triatominae, mais conhecido como barbeiro ou chupão. As espécies do vetor mais importantes no Brasil são: Triatoma infestans, Triatoma brasiliensis, Triatoma pseudomaculata e Panstrongylus megistrus. Todas elas são adaptadas ao ambiente peridomiciliar, em casas das zonas rurais construídas de taipa ou pau-a-pique, cobertas de palha ou em construções urbanas como barracões que em sua maioria são moradias precárias. Esses insetos são ativos à noite quando saem de seu esconderijo para se alimentar, permanecendo escondidos durante o dia. Sua picada é indolor e ele pode ficar até 20 minutos se alimentando.

Para reconhecer se um barbeiro é hematófago deve-se observar a probóscide de seu aparelho bucal. Se ela ultrapassar o primeiro par de pernas, ele é filófago. Se terminar antes do primeiro par de pernas e for curvada, é um predador. E se for reta, é um barbeiro hematófago, podendo ser o transmissor da tripanossomíase.

Outros meios de transmissão do T. cruzi também são registrados pela via placentária, por transfusão sanguínea, transplante de órgãos e por via oral. Nesse último caso, o indivíduo pode ser infectado ao ingerir o inseto em certos alimentos, como já foi divulgado no Brasil, tanto na poupa de açaí quanto no suco de cana.  Um estudo experimental de 2012, de Passos e colaboradores, mostra que a contaminação por Trypanosoma cruzi em polpa de açaí congelada ou refrigerada é possível.

 

Hospedeiros

         O hospedeiro invertebrado também é o vetor da doença, inseto invertebrado da família Reduviidae subfamília Triatominae, mais conhecido como barbeiro ou chupão. Mamíferos silvestres e domésticos são os hospedeiros vertebrados. Dentre eles estão os marsupiais, roedores, desdentados, primatas (incluindo o homem), canídeos, dentre outros.

 

Morfologia

O T. cruzi assume três formas durante todo o ciclo: epimastigota, tripomastigota e amastigota. Para sua classificação é necessário conhecer a posição do flagelo e do cinetoplasto, uma mitocôndria modificada rica em DNA.

  • Epimastigota tem formato alongado, com cinetoplasto próximo e anterior ao núcleo. O flagelo é bem desenvolvido e livre na porção posterior do tripanossoma. É encontrada fixa no intestino do inseto, responsável pela reprodução.
  • A forma amastigota é arredondada tem flagelo curto e intracelular. O cinetoplasto é próximo do núcleo e é encontrado no interior das células do hospedeiro vertebrado, responsável pela reprodução.
  • As tripomastigotas têm o flagelo na porção anterior da célula, ou seja, na frente da célula, e após percorrer todo o corpo celular por meio de uma membrana ondulante termina livre na porção posterior. As tripomastigotas recebem dois nomes, um para cada hospedeiro, tripomastigotas metacíclicas quando estão no reto do inseto triatomíneo, e tripomastigotas sanguíneas, quando na corrente sanguínea do hospedeiro vertebrado.

 

Se você estiver estudando a leishmaniose, note que o seu agente etiológico pertence à mesma família do Trypanosoma cruzi, por isso os nomes das formas são iguais.

 

Ciclo biológico

No hospedeiro vertebrado – Quando o inseto triatomíneo infectado pica um indivíduo ou outro mamífero para se alimentar, ocorre também a defecação, resultado de um sinal reflexo da ingestão de sangue. E juntamente com as fezes do barbeiro estão presentes as formas tripomastigotas do parasito. Porém, o parasito não consegue penetrar na pele intacta, é preciso que essas fezes entrem em contato com uma ferida ou na lesão provocada pela própria picada. Geralmente a picada provoca uma resposta alérgica local que motiva a pessoa a coçar e isso contamina a picada com as fezes. Uma vez na pele ou mucosa do hospedeiro, as tripomastigotas interagem com as células do sistema mononuclear fagocitário, se transformam em amastigotas e se multiplicam por divisão binária simples. Em seguida, elas se diferenciam em tripomastigotas, rompem as células, caem no interstício e ganham a corrente sanguínea ou outros órgãos onde são fagocitadas e cumprem novo ciclo celular. Essas tripomastigotas também podem ser capturadas por outras células do sistema imunológico ou infectarem um barbeiro, quando esse se alimentar de um vertebrado infectado.

Ciclo no hospedeiro invertebrado – Quando um barbeiro se alimenta de um organismo infectado, as tripomastigotas presentes no sangue, ao chegarem no intestino médio no barbeiro, passam para a forma epimastigota, que são capazes de se reproduzir. Ao serem levadas para a porção final do intestino, no reto, as epimastigotas se transformam em tripomastigotas e já estão prontas para infectarem mais um hospedeiro.

 

Fase aguda e crônica da doença

Dentro do corpo do mamífero, o protozoário destrói as células fagocíticas causando lesão e induzindo resposta inflamatória. A Doença de Chagas possui duas fases, a aguda e a crônica.

Na fase aguda o protozoário está presente no sangue e é justamente quando ocorre a maioria dos sintomas, como febre alta, dor muscular, dor de cabeça, inchaço na face ou nos membros, rash cutâneo, leve hepatoesplenomegalia, anorexia, dentre outros. Um sintoma característico da fase aguda é o aparecimento de edema no local da picada, se ela ocorrer na pálpebra, é chamada sinal de Romanã, geralmente associado à conjuntivite. Quando ocorrer em outro local do corpo, chama-se de chagoma de inoculação, apresentando eritema arredondado e circundado por edema, assemelhando-se a um furúnculo na pele.

Na fase crônica, a doença já se estabilizou e não são mais encontrados tripanossomas na corrente sanguínea por causa da resposta imune do hospedeiro. A doença pode seguir por três caminhos: ficar assintomática, e nesse caso os pacientes assintomáticos apresentam exames normais, evoluir para a forma cardíaca ou evoluir para a forma digestiva.

A forma cardíaca é caracterizada pela cardiopatia chagásica crônica (CCC). Nesse caso o parasito se aloja no músculo cardíaco, afetando as funções do órgão, levando à hipertrofia do miocárdio e aparecimento de sintomas como arritmia, tromboembolismo, entre outros decorrentes da insuficiente cardíaca. 

Na forma digestiva o parasito afeta neurônios do tubo gastrointestinal e isso afeta o esôfago e o colón, dilatando-os de forma permanente, resultando no megaesôfago e megacólon, respectivamente.

 

Diagnóstico

Envolve exame parasitológico direto na fase aguda, no qual possibilita a visualização do parasito, como a gota espessa e esfregaço sanguíneo. Também são feitos exames moleculares e sorológicos, como o ensaio imunoenzimático – ELISA (Enzyme-linked Immunosorbent Assay) e a reação de imunofluorescência indireta (RIFI). Um exame exclusivo para identificar Trypanosoma cruzi, principalmente na fase crônica é o xenodiagnóstico associado à hemocultura.

O xenodiagnóstico se caracteriza pela alimentação de barbeiros saudáveis com o sangue do paciente suspeito e depois de alguns dias ou semanas o inseto é analisado para ver se ele apresenta ou não o parasito. Pode ser classificado em natural, quando o inseto é colocado para picar o paciente ou artificial, quando o sangue é inoculado no inseto.

 

Tratamento

O tratamento é feito na fase aguda da doença podendo levar até a cura completa. Para comprovar a cura, é necessário fazer exames parasitológicos, sorológicos e xenodiagnóstico semestralmente ou anualmente e o resultado deve ser negativo por três anos seguidos.

Como na fase crônica não há perspectiva de cura, para manter a doença sobre controle são feitos exames para avaliar a função cardíaca, como o eletrocardiograma e radiografia de tórax, além dos exames de rotina. O tratamento do paciente na fase crônica é indicado para controle os sintomas cardíacos, e nos casos de megacólon e megaesôfago, eles podem ser tratados com intervenção cirúrgica.  

 

Profilaxia

A profilaxia da doença consiste no controle do vetor por meio de inseticidas, telas, cortinados e repelentes. Também é recomendado a melhoria das habitações, nem sempre possível. Portanto a conscientização da população de risco, a educação sobre os fatores da doença e de sua transmissão é válida e necessária. Ainda, para o consumo de açaí, deve-se haver uma higienização na sua cadeia de produção, começando pela escolha dos frutos, lavagens e quando possível, passar pelo processo de branqueamento ou pasteurização. Visando a melhor segurança dos consumidores. Sempre consulte se a empresa ou produtor de açaí é certificado pela Anvisa ou Embrapa.

 

Mapa mental

 

Figura 1 – Resumo em forma de mapa mental.

 

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Bons estudos!!!

Para a elaboração desse texto, as seguintes referências foram consultadas

Brasil. Embrapa informação tecnológica. Açaí Congelado. 1 ed. Amapá, 2007. Versão eletrônica. Disponível em: < https://www.agencia.cnptia.embrapa.br/Repositorio/Acai_congelado_000gbzhifgi02wx5ok01dx9lcgg4eb81.pdf>.Acesso em 25 de dezembro de 2020.

NEVES, David Pereira; MELO, Alan Lane de; LINARDI, Pedro Marcos; VITOR, Ricardo W. Almeida. Parasitologia Humana. 11 ed. São Paulo: Atheneu, 2004.

REY, Luís. Bases da parasitologia médica. 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2009. Ebook. ISBN 978-85-277-2026-7. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/books/978-85-277-2026-7

SIQUEIRA-BATISTA, Rodrigo; GOMES, Andréia Patrícia; SANTOS, Sávio Silva. SANTANA, Luiz Alberto. Parasitologia: fundamentos e prática clínica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2020. Ebook. ISBN 9788527736473. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/books/9788527736473.

PASSOS, Luiz Augusto Corrêa et al. Sobrevivência e infectividade do Trypanosoma cruzi na polpa de açaí: estudo in vitro e in vivo. Epidemiologia e serviços de Saúde, v. 21, n. 2, p. 223-232, 2012. Disponível em: < http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742012000200005 >. Acesso em 25 de dezembro de 2020.

PESSOA, José Dalton Cruz; TEIXEIRA, GH de A. Tecnologias para inovação nas cadeias euterpe. Embrapa Instrumentação-Livros científicos (ALICE), Brasília, 2012. Disponível em: < https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/101651/1/CPAF-AP-2012-tecnologias-inovacao-cadeias-euterpe.pdf>. Acesso em 26 de dezembro de 2020.

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